Ao fio do pensamento
Abeiro-me do loch com uma chávena de café acabadinho de fazer. Ataranto-me na pressa do despertar, do sair da noite urbana, tão raramente estrelada, que o ruído ensurdece-me e emudece o céu. Apetece-me o loch, o vale, o intervalo entre os pontos, o imenso interstício das galáxias ruidosas e fulgurantes onde de vez em quando encontro o silêncio e deleito-me na visão dos rastros que continuam a ser luz e que até podem guiar, apesar de já só existirem para os olhos, a distâncias de tempos, de espaços, de matérias que já deixaram de o ser. Olho para o céu, nesses silêncios, e vejo as lamparinas acesas por pavios e óleos lentamente consumidos em antanhos de que não há sequer memória. Só há luz.
Não dormi o suficiente e o café parece desprovido da costumeira qualidade de arrumador de neurónios. Duas ou três ideias continuam a acotovelar-se na sua ânsia de se traduzirem em qualquer coisa que faça sentido. Mas o estaleiro está desarrumado e as pilhas de palavras estorvam-se entre si e dói-me a cabeça, e doem-me os pés e as mãos para que me apeteça procurá-las, catá-las com cuidado. Acabo por tropeçar e fazê-las cair, sem querer, com mais ou menos estrondo. Fico de braços cruzados, encostada a uma parede, estupidamente à espera que todo aquele reboco seja abraço ou porta ou ponte, como se as palavras pudessem vir ter comigo animadas da sua própria vontade. E é quando me canso de esperar que me calo, que percebo a espera e que, finalmente, por esperança ou desespero, olho o céu - tecto de tenda imensa, constantemente entretecido de rastros de memória, ponto a ponto, desde todo o sempre, para todo o sempre.
Continuo a beberricar o meu café, empurrando o atordoamento com a força possível nesta hora estremunhada. E é ainda com as pálpebras a meia haste e uma vontade de sonho na cabeça que me arrumo e arroupo entre aromas e rastros de luz. Não há pressa. Não há pressa.
Não dormi o suficiente e o café parece desprovido da costumeira qualidade de arrumador de neurónios. Duas ou três ideias continuam a acotovelar-se na sua ânsia de se traduzirem em qualquer coisa que faça sentido. Mas o estaleiro está desarrumado e as pilhas de palavras estorvam-se entre si e dói-me a cabeça, e doem-me os pés e as mãos para que me apeteça procurá-las, catá-las com cuidado. Acabo por tropeçar e fazê-las cair, sem querer, com mais ou menos estrondo. Fico de braços cruzados, encostada a uma parede, estupidamente à espera que todo aquele reboco seja abraço ou porta ou ponte, como se as palavras pudessem vir ter comigo animadas da sua própria vontade. E é quando me canso de esperar que me calo, que percebo a espera e que, finalmente, por esperança ou desespero, olho o céu - tecto de tenda imensa, constantemente entretecido de rastros de memória, ponto a ponto, desde todo o sempre, para todo o sempre.
Continuo a beberricar o meu café, empurrando o atordoamento com a força possível nesta hora estremunhada. E é ainda com as pálpebras a meia haste e uma vontade de sonho na cabeça que me arrumo e arroupo entre aromas e rastros de luz. Não há pressa. Não há pressa.
3 Comments:
«Não há pressa. Não há pressa.»
o tempo que se leva a entender estas coisas simples :)
mas oláááááá, muito bom ano novo!
bizantina, olááááááá!
Um muito bom ano de 2007! :)
Como correram as festas? e as escritas? Quanto às coisas simples, ;), a sensação que tenho é que levamos a vida toda, todinha mesmo, a tentar descomplicar-nos para entendê-las! e... mesmo assim... :)
as festas...com a família. tinha tantas saudades de todos!...
as escritas...atrasadas. tinha tantas saudades de todos :)))
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disse hoje ao meu budista que os nossos sofrimentos são, quase sempre, as nossas invenções. por exemplo: fumei durante 21 anos. deixei de fumar no início do ano. já não tenho o corpo em guerra com a cabeça como nos primeiros 3 dias porque me convenci que tinha inventado aquela guerra. se foi da minha vontade deixar o tabaco, tem que ser da minha vontade parar uma guerra bem menos prazenteira que o acto de fumar.
o meu budista concorda :)
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