20070109

A propósito dos nossos mais velhos


Estive a ler o comentário da Cristina e fiquei a pensar numa série de coisas. Tenho assistido um pouco a essa realidade e ficam-me sempre algumas perguntas, porque a maior parte das pessoas se manifesta indignada com o abandono, o desprezo, a desatenção, quando não mesmo a agressão a que muitos dos nossos mais velhos estão sujeitos. E tantas são que me pergunto por que, então, há tantos velhos votados ao desamor. Mas à boa maneira de Malinovsky entre o que se diz e o que se faz vai toda uma lonjura.

Há já não sei quantos anos que entrámos nesta fase da chamada cultura do lazer, em que vamos sendo doutrinados de acordo com o padrão de que qualquer actividade deve ser desempenhada em moldes prazenteiros visando proporcionar, entre outras coisas, tempo livre qualitativo. Não tenho nada contra o conceito, desde que ele não nos meta na cabeça e no coração de que tudo pode ser feito sem esforço, empenho, dedicação e trabalho. Antigamente falava-se também de sacrifício e de abdicação, termos que foram bastante anatematizados, ainda que, na minha opinião pelas razões erradas. Mas adiante. Acompanhar um idoso é, frequentemente, algo que exige muita energia, tanto física como psíquica, porque altera substancial e profundamente a nossa rotina individual e hoje, tristemente me apercebo disto, muita gente não se empenha nessa alteração nem para criar os filhos, quanto mais para acompanhar os pais ou os avós. As alterações que fomos introduzindo no nosso quotidiano têm vindo a retirar qualidade à forma como vivemos os nossos afectos e , muitas vezes, leva-nos numa tal enxurrada que até os afectos vão sendo diluídos, coisificando-nos. E sem afecto, como encontrar o empenho e a dedicação com que canalizar o nosso esforço e fazer o nosso trabalho? E se não regarmos os nossos afectos ao longo dos anos, como vamos tê-los suficientemente viçosos para acompanharmos os nossos, quando forem velhos ou doentes ou frágeis?

A bizantina a propósito de outra coisa escreveu esta frase admirável que, neste contexto, me parece uma boa imagem para tantos mais velhos que encontramos no nosso dia-a-dia:
paredes nocturnas mesmo a meio do dia, com segredos que se escapam pelos estuque

Cada vez se vive mais tempo e cada vez somos mais velhos os que temos de cuidar dos mais velhos. Cada vez precisamos de dar mais tempo a gerar rendimento. Cada vez menosprezamos mais o envelhecimento e cada vez engalanamos mais a efemeridade da juventude. Pior, cada vez nos construímos mais, enquanto sociedade, como bonecos carimbados com prazo de validade. Coisificamo-mos. Hoje são comuns os lares (asilos passou a soar mal) e muitos são meros depósitos. Com o avançar das coisas, quando chegar a nossa vez, a vez dos nossos filhos, a vez dos nossos netos, o que será comum?

O regador ainda está nas nossas mãos... Até loch.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Abnegação.
Esfumou-se, também!
Beijinhos

1/09/2007 09:44:00 da tarde  
Blogger Cristina said...

o que será? algo que não queremos imaginar...:(

beijinho

1/18/2007 07:51:00 da tarde  

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