20070211

Avec le temps...

Avec le temps - é um esvair de alma. Léo Ferré é o protagonista. Pseudo. Protagonistas somos nós qui oublions les voix, les mots des pauvres gens. Avec le temps... esvaímo-nos. Por uma gota, um furo de nada feito de acasos e poentes, ocasos estranhos nos poços da vida. Avec le temps... com o tempo, o tempo, o tempo... essa corrente estranha, tipo rosário, que já nem sabemos rezar mas que continuamos a saber correr por entre os dedos. Ficam-nos os calos na pele, que nos doem, por um lado, e que, por outro, nos retiram uma certa maneira de sentir. Apetece-me rasgar qualquer coisa. Uma qualquer capa, véu, casca. Rasgar. Deixar-me transpirar até que o próprio odor do meu suor e da minha dor me ataque as narinas, dilatando-as, tanto, tanto, que toda a minha pele seja olfacto e eu me torne nesse aroma ácido, inebriante, impossível, irracional.

Porque só sendo esse cheiro invado o ar todo que me consome e passo a ser eu a consumi-lo, a tragá-lo num ápice do meu tempo e a fazê-lo meu.

As vozes perturbam-me e eu corro as cortinas e as persianas da alma, porque não quero ouvi-las. Só quero este naufragar autêntico com sete notas dilacerantes e autênticas, cansada que estou da plastificação das atmosferas da consciência. Não... não, ainda não foi desta que me ganzei nem alucinei para além das vísceras. Mas apetece-me rasgar . Com ruído, com aço, com raivas indizíveis como a paixão da entrega. Trepido nas minhas veias a violência extrema das minhas febres de lucidez. Sofro-me inexoravelmente e choro-me os abandonos de mim a que tantas vezes me voto. Num frémito invulgar, sou como uma onda, um fragor de aroma que nem sequer é manso. É suor. Quente, ácido, violento, transtornante. Sou o cheiro da minha semente e do meu fruto. As ilusões do andrógino já eram. Hermafrofita ou nada. Hespéride ou pevide. Útero ou odre. Avec le temps... esvai-se a alma na concentração de toda a sua substância. Reduzida à sua ínfima espécie - a mais básica, primordial e avassaladora. Paradoxos de proto-vida.

Afunilo-me. Não é muito possível mas afunilo-me. Escoo-me por um conta-gotas qualquer em busca da precipitação desejada. Uma gota de suor. Poderia ser sémen ou mênstruo, mas não. Não tem esse hino da Obra por fazer. Só tem a magia da Obra feita.

Como me torno arrogante e me humilho perante mim própria! Que dividida estou na aparência deste gosto-desgosto que na verdade mais pura que posso conceber está tão para além das simetrias, paradoxos, dicotomias à flor da pele. Avec le temps... Mas o que é este malabarismo da consciência a não ser a manipulação extravagante do aprendiz de feiticeiro?

Na proveta, uma gota mal-cheirosa de suor e no ar o mau-cheiro a sopa que tudo invade fluidamente, mas.... que garante a Obra. Ao negro, sim. O corvo canta. E canta em todo o esplendor do seu negro-azeviche e em toda a sua solidão. Garante o rubro, o branco, o escarlate, o ouro. A mirra e o incenso em dois potes descobertos esfumam-se miscigenando-se sem lógica aparente. Avec le temps.... tudo se torna fumo. Acre ou doce. Místico ou profano. E o ar todo inunda, com o tempo... com o tempo...

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

como uma deusa.
para que céu está a cair?

2/11/2007 03:26:00 da tarde  
Blogger T-Regina said...

Olá bizantina!
Creio que como uma aprendiz e também creio que sem ascensão nem queda... vogando num 'céu' que todos estamos 'céu-z-ando', com o tempo, enquanto estivermos no tempo... :)
Um abraço t-regínico. Bom Domingo!

2/11/2007 04:45:00 da tarde  

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