20061117

Combóio de corda

Foto: A. Boot
http://static.flickr.com/23/31814253_ffbe363d44_o.jpg

Porque li hoje aqui um texto de Fernando Pessoa, porque a escrita de Fernando Pessoa e dos seus outros rostos é sempre incrivelmente estimulante, como, aliás notou o autor do post que refiro, porque ando há uma série de dias com vontade de reler o Opiário, de trazer para o loch Os Jogadores de Xadrez, porque hoje tenho na cabeça imagens de recomeços, de travessuras, de gestos amplos de sementeira, de livros que se arrumam, de caminhos que se abrem, de datas no topo das páginas, de proas a rasgar águas, de viagens e de horizontes, reli a Autopsicografia, a tal que começa por dizer-nos que o poeta é um fingidor e que termina constatando

«E assim nas calhas de roda
gira a entreter a razão
esse combóio de corda
que se chama coração
»

... apeteceu-me glosar:

e gira num rodopio
fazendo por se entreter.
Mas se algum mal suceder,
não diga 'a corda partiu!'.
Mais vale seguir fingindo
que a dor nisso não se atenta.
Aliás, até se alenta
com o som da corda partindo.
Mas se é desta incongruência
que o poeta vive e sonha,
não há quem siso lhe ponha
nem tire clarividência.
Fingidor de si consigo,
que os outros são só um espelho
onde se vê novo e velho,
mas sempre de si cativo.

Boa viagem. Até loch.

1 Comments:

Blogger dragão said...

Temos poetisa!...

E sempre lhe digo que ao "opiário" guardo eu verdadeira devoção.

11/17/2006 06:02:00 da tarde  

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