20061111

De funambulismos e guarda-chuvas ou, mais apropriadamente, do arame...

Imagem: http://questiondepoids.mabulle.com/
Dizia o João Cabral de Mello Neto ao Carlos Drummond de Andrade que «não há guarda-chuva contra o poema» e o José Carlos Ary dos Santos respondeu-lhe que «para o poeta que chova por dentro, em razão inversa, forçoso é ter guarda-chuva contra a palavra perversa que foi um chão que deu uva e hoje só dá conversa». Estava eu a rebuscar o bolso do avental à procura dos cigarros, quando me saltou lá de dentro um pequeno guarda-chuva, daqueles coloridos e até gentis com que se amansam os sabores mais acres que nos cabem na taça. Pousei-o, fiquei a olhar para ele enquanto acendi ritualmente o cigarro, hesitante entre o deliciar-me com a sua articulação, a minúcia dos pormenores, a delicadeza do trabalho e o rir com o humor da sua enganosa inutilidade. Só depois me apercebi que a questão não residia no guarda-chuva...