20061106

Chove em Delphos

Imagem: http://crystalinks.com/delphi.html
A chuva cansa-me. Cola-se, dando às texturas uma flacidez impertinente, uma sensação pantanosa, um risco de esboroamento. Entranha-se - e é um incómodo doentio que me obriga ao esforço, às vezes exagerado de tão inoportuno, de absorvê-la toda para conseguir alhear-me de que existe. Nunca sei se a engulo ou se me deixo engolir por ela. Atravesso a rua, apressando o passo, tentando deixar rapidamente para trás a bátega mais forte. Mais rapidamente ainda me apercebo da inutilidade. Ou me torno bátega e chuva ou nunca conseguirei escapar-me dela, deixar de reconhecer-lhe existência. Então, apresso o passo só pelo prazer da corrida e do ar no rosto. Entro na tabacaria, peço os habituais dois maços de sg filtro e, sem querer, lembro-me do Esteves. E fico com uma imensa vontade de comer chocolates. E sei que me apetece chegar depressa a casa, sentar-me na cadeira onde vou acender e fumar o meu cigarro e, cheia de pressa, pegar na água toda que trago em mim e moldar com ela uma esfinge que me guarde de mim própria. Deixo passar a procissão e os simulacros ao largo, como se fossem eléctricos amarelos, românticos e lentos. A Andaluzia não me arde nas paredes mas por dentro dos olhos. Por hoje, já sem chuva. Até loch.