20061129

Mansidões e desassossegos

Lua e Umewaka, Ogata Gekko
No Retrato talvez saudoso da menina insular, a Natália começa assim: Tinha o tamanho da praia, o corpo era de areia e ele próprio era o início do mar que continuava... Senti um sussurro, como se a memória tivesse dons de búzio que se encosta ao ouvido para sentirmos o fragor de ondas antigas. Lembrei-me das praias da minha infância, dessa infância em que ainda não tinhamos escamas nos olhos nem o serôdio trabalho de tirá-las (talvez por isso os velhos estejam mais próximos das crianças...) e o fascínio de uma onda nos ocupava o olhar inteiro, na gulodice sã de querer tocar na linha do horizonte. A lua brincava connosco às escondidas, mas nessa altura não sabíamos nem de símbolos nem de astronomias e só ansiávamos pelos equinócios porque um avô ou uma tia prometiam levar-nos a ver as marés vivas nos seus alucinados malabarismos de espuma nas grutas de uma praia. Mansidões e desassossegos. Descubro que guardo em mim um búzio onde, em dias de lua nova, me expando no silêncio e, em dias de lua cheia, posso ainda continuar-me mar. Hummm... Bom cheiro a maresia. Até loch!