20070130

No agoiro do 11 de Fevereiro....

Por acaso eu já estou enfastiada de tanto debate que anda em volta de tanto argumento e de tanto ego, apesar de só agora se iniciar a campanha. E estou enfastiada por uma razão simples: se eu me visse numa situação dramática que me levasse a pensar numa situação de aborto, numa questão de dor profunda e do foro da minha profunda consciencia, consultaria algum dos distintíssimos membros do parlamento, dos distintíssimos membros destas mesas redondas que me falam das vidas mais vulneráveis em relação aos fetos e que se presumem mais capazes de decisão do que eu? que me paternalizam da pior forma, porque consideram que podem decidir por mim, com carga legal??? Eu tive um aborto espontâneo quando estava numa gravidez de quatro meses e meio e o tal ser humano tão invocado nestes disparates destes debates teve a consideração de ser deitado no caixote do lixo!!! Nem nome, nem pessoa, nem dignidade. Foi para o lixo. Como vão para o lixo todos os fetos que são abortados seja de forma espontânea seja provocada. Que histórias me contam? Que histórias se contam? Quem se julgam para decidir paternalizar e penalizar as mulheres deste país em função dos seus próprios fantasmas? Estou cansada e farta. Não há pais para a consciência. É individual e intransmissível. E nela não cabem paternalismos nem contextos legais. Apesar da conveniência que em tudo isso se possa encontrar... Como eu vejo as moralidadezinhas classificadas lamberem-se no gozo do seu poder de controlar... Que tristeza! A fase humana desse filho que não tive não foi considerada mais do que dejecto, produto estragado que eu tinha nas vísceras. Contem-me histórias, contem, e tragam-me espiritualidades metidas em gaiolas, como gostam, adornadas dos confetti moralistas.
Ah estou farta de tanto circo!
Até loch.

20070129

Um pensamento

Esplanada de Café à noite, Van Gogh

20070126

Saravá, Vinicius de Moraes!

Que me perdoe o Vinicius, mas não resisto a glosá-lo...

De tudo, ao meu país serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do meu desencanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe uma eleição, a clamar voto
quem sabe o referendo (sim ou não)

Eu possa dizer deste amor devoto:
Que siga atento até na decepção
e que seja infinito enquanto dure.

Até loch...

20070123

Colagens de pedacinhos

Quem não conhece esta imagem, exemplo típico do mosaico bizantino? De facto, acho que não há quem não conheça... e no entanto, a arte deste mosaico bizantino está na colagem de tantos, de tão inúmeros pedacinhos que, se calhar, poderiam ser colados de outro modo, dependendo da emoção do autor, do seu sentimento, da sua visão da realidade... da sua própria apetência para o acto de os reunir, das névoas ou sóis que lhe acudam aos olhos no momento de decidir o que retratar... E depois falamos do ser humano como um conjunto, também ele, de pedaços, sem vasos comunicantes, em que a emoção estará de um lado e a lógica do raciocínio do outro... De acordo com isto, eu sou um armário de gavetas e, incorrectamente porventura, não me sinto como tal... Não sou um armário de gavetas, sou um conjunto, possivelmente governado por dois hemisférios cerebrais que fazem a sua síntese naquilo que eu sei que sou e naquilo que os outros crêem que eu sou... E de repente há quem crie hierarquias quanto à posição destes hemisférios e hierarquias quanto a tudo - tudo - aquilo que faz o meu eu...
Devassam-nos, espartilham-nos, estudam-nos às fatias... e nós deixamos... e até contratamos quem normatize, regule, legisle, decida, ajuize sobre pedacinhos de nós que, por muito que se esforcem, nunca serão o nosso eu, que é sempre diferente da soma pretensamente lógica de todos os nosso pedacinhos... que podem ser colados de tantas e de tão variadas maneiras... Os juízes não podem alterar a lei - acabo de ouvir - mas podem ter os hemisférios cerebrais suficientemente ligados para retirar e reconfirmar a humanidade que existe para além dos pedacinhos... e, como eles, os juízes, são gente, nós - que não somos juízes, nem queremos - também o somos. Talvez dê para pensarmos um bocado, pararmos um niquinho de tempo, e decidirmos se continuamos a querer ser lidos como apenas colagens de pedacinhos ou se teremos o direito a ser pessoas... Até (quem sabe?) loch...

20070121

Minúcias num Domingo de Sol

Soleil du Dimanche, Mucha
O Sol acordou com uma boa disposição contagiante. Não faz calor, o que foi um óptimo pretexto para me vestir cor-de-ameixa, com umas camisolas acabadinhas de sair do forno, sim, tricotadas ao serão, à moda antiga, com este meu gosto velho de tecelã, e para me regalar com este café cheiroso que me deixa um consolo de sabor quente na boca e com o gesto de segurar a chávena com as mãos em concha, como se se trocassem meiguices.

Tenho a televisão ligada, as notícias escorrem como as areias da Caparica, que lá vai ficando sem Costa, ou com Costa sem praia, perante a incapacidade (em todos os sentidos) de travar o processo ávido das águas
- há um responsável que diz, mesmo perante o insucesso do método, que 'optam pela solução que é a mais adequada' (INAG) - SIC Notícias). Depois, escorrem os mais recentes espanadores de consciências do país, os mais recentes escândalos, os mais recentes debates, no useiro desfile de reportagens, entrevistas, comentários, sem que nada do que é dito nos conte, de facto, alguma coisa para além dos sintomas... Ah! Última curiosidade: urgência hospitalar em contentores (???) Também há quem diga que é normal (???) as pessoas estarem à espera de atendimento das 10 da manhã à meia-noite... Mas afinal o que é que não se acha normal? E curiosidade maior é perceber que nos indignamos até à mais profunda náusea e que, mesmo que queiramos reagir de forma construtiva, nos sentimos doentes de uma impotência talcomo se nos vissemos num útero minado e inexorável.

Mas, dizia eu, que o Sol acordou com uma boa disposição contagiante... Claro que vou ter de optar pela solução dos três macacos sábios ou continuar a passear, ao vivo e a cores, pelas minhas chamadas utopias, escavando, no que me rodeia e com os meus, os parcos caminhos que poderão ajudar a minorar os disparates e as suas tão frequentemente nefandas consequências. Pois é, acabo por fazer essa minúcia que todos ainda podemos fazer. É pouco, mas tem Sol. Para não perder o fio a essa meada, tenho de agradecer ao carlos a.a., ter-me dado a conhecer o anterozóide e ter proporcionado o magnífico mote musical para os anoiteceres apaziguados deste fim de semana! Até loch...

20070118

Ah que bem que me sabia...!

Foto: Obrigado M.
Pois, o bem que me sabia, mesmo com céu enevoado e tudo, mesmo com o tecto todo cinzentinho... Gosto de esplanadas e quanto mais se espraiam, mais eu gosto... e então aquelas à beira-praia onde podemos passar o tempo a pendurar os olhos lá no fundo, na cordinha da linha do horizonte, sem outras molas a não ser a dos franzidos que o próprio brilho do sol nos causa! Gostoso, não é? Pois é, mas hoje (e ontem e transantontem e etc e tal) nem tempo para pôr a ponta do nariz no estendal! Faço um intervalo, vou à cozinha tirar um cafée fazer de conta que estou ali sentada... pode ser que resulte! :) Até loch.

20070115

A persistência da memória

A persistência da memória, Salvador Dali
Como ElRey D.Diniz, sendo Ifante, foy levantado por Rey, e obedecido, e das virtudes que teve
por Ruy de Pina, Fidalgo da Casa Real, e Cronista-Môr do Reyno
...Sendo El-Rey D.Diniz de vinte annos, idade asáas conveniente para cazar, foy aconcelhado da Rainha Dona Beatriz sua madre, e assi requerido por parte do Reyno de Portugal que cazasse para teer esperança de lhe dar Deos erdeyro legitimo, que ho socedesse, e loguo lhe foy apontado na Ifante Dona Isabel Daraguam...

Chronica del Rey D.Ioam I de Boa Memoria e dos Reys de Portugal o Decimo
composta por Fernam Lopez
Cap. 12 - Do alvoroço que foy ná Cidade, cuidando que matavaõ o Mestre & como aláa foy Aluaro Paez, & muitas gentes com elle.

20070113

Quando o tempo ressuscita...

Quando o tempo ressuscita deixa de fazer sentido enquanto tempo. Às vezes até enquanto sentido. E é quando se consegue fugir àquela roda, a esta roda, que nos apercebemos que há um momento fora do tempo para o tempo ressuscitar. E nós com ele. Fujo da avalanche, fujo do remoinho louco dos ruídos que me dilaceram, fujo. E só digo 'fujo' porque corro - e muito - sem querer sequer olhar para trás. Só se olha para trás quando dói a despedida. Quando o tempo ressuscita é para trazer seiva nova, sangue novo, sémen novo, sete novo. Não recalcorreia caminhos, não repisa lugares, não remitiga dores nem rescancara risos. Renasce, ressuscita, suscita novamente um desbravar de medos, de ousadias, de tem-tens de esperanças e saberes. Não doba fios, mas fia em fusos francos, novos, trémulos por estrear-se. E neste intervalo - entre o tempo que sou e o tempo que sei - vou-me esfiando, ressuscitando nas condicionais, entre o que é e o que se sabe sem 'se'. Há condenados à morte, há discursos sobre ética, há debates e campanhas e votações e movimentos e... e... e... e... e... e.... e.... à exaustão, num simulacro de consciência como um papel de parede que se cola e se tira quando cansa e que até tem carrocéis e palhaços e pinceladas que tanto podem ser chuvas como árvores como pessoas - só que a inocência é outra. E eles falam e todos ao mesmo tempo e todos a acreditarem em tudo quanto dizem e todos num de cor sem coração, e todos donos de tudo e todos donos do tempo e todos tão donos das suas verdades e eu a ficar por aqui a vê-los e com vontade de perguntar se páram, se amam, se anunciam tantas boas novas quantas julgam que proclamam, se neles o tempo ressucita e há aqueles que me dizem...'Ah a poesia' e eu respondo 'pois ia....' mas se calhar não vou, não vou porque não quero e não porque o outro disse que não ia. Não vou porque cansei de pão sem manteiga e circo só com pantomina e trago nas mãos e nos pés e no útero e nas costas um outro cansaço. Quando o tempo ressuscita é para todos como o sol. E basta não ser cegos. Ou talvez baste apenas usar outros relógios - de areia mais areia, menos tic-tac de manada a cumprir ritual, menos vibração muda de cristal, menos ornamento de tempo. Quando o tempo ressuscita.... eu acho que não se mede. Mas isso sou eu. Só euzinha na minha solidão benfazeja e fértil, na minha ignorância que me abre as portas da ressurreição... Que bom chegar ao loch...

20070109

A propósito dos nossos mais velhos


Estive a ler o comentário da Cristina e fiquei a pensar numa série de coisas. Tenho assistido um pouco a essa realidade e ficam-me sempre algumas perguntas, porque a maior parte das pessoas se manifesta indignada com o abandono, o desprezo, a desatenção, quando não mesmo a agressão a que muitos dos nossos mais velhos estão sujeitos. E tantas são que me pergunto por que, então, há tantos velhos votados ao desamor. Mas à boa maneira de Malinovsky entre o que se diz e o que se faz vai toda uma lonjura.

Há já não sei quantos anos que entrámos nesta fase da chamada cultura do lazer, em que vamos sendo doutrinados de acordo com o padrão de que qualquer actividade deve ser desempenhada em moldes prazenteiros visando proporcionar, entre outras coisas, tempo livre qualitativo. Não tenho nada contra o conceito, desde que ele não nos meta na cabeça e no coração de que tudo pode ser feito sem esforço, empenho, dedicação e trabalho. Antigamente falava-se também de sacrifício e de abdicação, termos que foram bastante anatematizados, ainda que, na minha opinião pelas razões erradas. Mas adiante. Acompanhar um idoso é, frequentemente, algo que exige muita energia, tanto física como psíquica, porque altera substancial e profundamente a nossa rotina individual e hoje, tristemente me apercebo disto, muita gente não se empenha nessa alteração nem para criar os filhos, quanto mais para acompanhar os pais ou os avós. As alterações que fomos introduzindo no nosso quotidiano têm vindo a retirar qualidade à forma como vivemos os nossos afectos e , muitas vezes, leva-nos numa tal enxurrada que até os afectos vão sendo diluídos, coisificando-nos. E sem afecto, como encontrar o empenho e a dedicação com que canalizar o nosso esforço e fazer o nosso trabalho? E se não regarmos os nossos afectos ao longo dos anos, como vamos tê-los suficientemente viçosos para acompanharmos os nossos, quando forem velhos ou doentes ou frágeis?

A bizantina a propósito de outra coisa escreveu esta frase admirável que, neste contexto, me parece uma boa imagem para tantos mais velhos que encontramos no nosso dia-a-dia:
paredes nocturnas mesmo a meio do dia, com segredos que se escapam pelos estuque

Cada vez se vive mais tempo e cada vez somos mais velhos os que temos de cuidar dos mais velhos. Cada vez precisamos de dar mais tempo a gerar rendimento. Cada vez menosprezamos mais o envelhecimento e cada vez engalanamos mais a efemeridade da juventude. Pior, cada vez nos construímos mais, enquanto sociedade, como bonecos carimbados com prazo de validade. Coisificamo-mos. Hoje são comuns os lares (asilos passou a soar mal) e muitos são meros depósitos. Com o avançar das coisas, quando chegar a nossa vez, a vez dos nossos filhos, a vez dos nossos netos, o que será comum?

O regador ainda está nas nossas mãos... Até loch.

20070108

Horas apócrifas

Desde que me lembro de ter noção de mim que tenho uma atracção muito própria para aquilo a que, desde há algum tempo, chamo de 'horas apócrifas'. Claro que não incorro na tentação costumeira de atribuir ao adjectivo nada além do que significa, isto é, algo cuja autenticidade não está comprovada, pressupondo, obviamente, que a autenticidade também tem muito que se lhe diga e que pode referir-se a vários patamares - autoria, rigor de conteúdo, etc. Mas sendo a hora apócrifa, não me apetece ir por aí. Apetece-me ir por onde as horas apócrifas me levam - ao sabor de ecos em mim. Ah... e convirá, talvez (quiçá! :)) dizer que para mim são apócrifas as horas que não precisam de códigos de barras, de legendas, de livrinho de instruções, de manual operacional e - muito menos, benza-as Deus! - de planeamentos quinquenais, trienais nem anuais, porque podem dar-se ao luxo de ser à solta, como bons selvagens (lollllllllll - não, também não quero ir por aí, que me parece atalho, e eu nestas horas nem quero asfaltos, nem britas, nem desenhos quanto mais mapas!). Poderei dizer, quase com candura ('quase'), que as horas apócrifas são a forma de medir um certo tempo no loch. Como ontem comentava tão especialmente bem o Dragão no Dragoscópio, são horas em que sabemos que estamos a ser escritos pela pena da morte e em que em nós acorda um talento para ler nas entrelinhas. Que engraçado... isto poderia ser dito de tantas e tão variadas formas... ;) No outro dia , o Incognit thing escrevia os tons das rotinas e das angústias (Entre um café e um pastel de nata) com pinceladas argutas, ainda que (im)próprias da sua juventude, e lembrou-me os passeios que eu costumava fazer, em anos semelhantes e em horas igualmente apócrifas pela espuma da bica que arrefecia diante do meu nariz, sem outro alucinogénio que a minha própria alucinada lucidez. O carlos a.a. deixou-me ontem um comentário à sua maneira e eu comovi-me à minha maneira e senti-me tão velha e tão pequenina. Tão T-Regina e tão mínima. A bizantina fala-me do seu budista e da luta que trava para ser a senhora da sua paz e eu comovo-me pelo épico que tem a sua luta desarmada e pela sua conquista antecipada e certa. Comovo-me. Movo-me com. Por isso gosto de perfumes, de essências que, fluidamente, numa ambiguidade que é só sua, nos invadem. São o estandarte das horas apócrifas onde se diz o que não se diz, onde se criam as mais improváveis pontes e onde todos os astros estão à distãncia de um pensamento. A dor de uma ausência a que se chama saudade transmuta-se na flor que desabrocha no nosso colo e, assim, sem ninguém dar conta nem explicar, torna-se na origem do nosso próprio nome, sem que o pudessemos ter pressentido, quanto mais adivinhado. Círculos... ciclos... espirais doidas que não racionalizamos sem antes reinventar um sete ou entender os porquês dos côvados. Lá vem a chuva oblíqua... Dedilha na janela como um mantra. O fumo do cigarro parece a batuta dessa tão improvável sinfonia. Na universalidade do som, um Ré (Rah) Maior explode as essenciais declinações de todos os mitos. Mas também não quero ir por aí. A hora é apócrifa e sem atilhos. O voo será sempre mais subtil do que a asa. O loch, apesar de tudo, será sempre mais subtil do que o lago. Por isso mesmo, por isso agora, até loch...

20070107

A propósito de Reis Magos...

Adoração dos Magos, Leonardo da Vinci
É bom ver a bizantina de regresso, é bom ver como o Dragão está com as suas afinadas labaredas ainda mais incisivas, é bom continuar a fruir da boa escrita do Cristóvão de Aguiar, da sensibilidade frequentemente picante e desabrida do carlos a.a. , da jovialidade da Cristina, do mar a perder de vista das janelas da ali_se . No meio de tantas ruas e de tantas montras, de tantas estações de metro apinhadas e de tantas mesas de café e de reunião num alarido acotovelado de ideias e de ideais, de brios, de conhecimentos, de meras tonterias e de verdadeira erudição, sabe bem poder passear pelos gostos e desgostos que não precisam de capas, serenamente e sem ismos, rindo ou não, e, principalmente, cientes de que os reis magos não são nossos nem vivem no nosso umbigo, nem são os nossos ventres as minas donde recolhem o ouro, o incenso e a mirra que ainda continuam a poder embelezar os mundos. Enfim... Um bom Domingo para todos! Até loch...

20070106

Ao fio do pensamento

Abeiro-me do loch com uma chávena de café acabadinho de fazer. Ataranto-me na pressa do despertar, do sair da noite urbana, tão raramente estrelada, que o ruído ensurdece-me e emudece o céu. Apetece-me o loch, o vale, o intervalo entre os pontos, o imenso interstício das galáxias ruidosas e fulgurantes onde de vez em quando encontro o silêncio e deleito-me na visão dos rastros que continuam a ser luz e que até podem guiar, apesar de já só existirem para os olhos, a distâncias de tempos, de espaços, de matérias que já deixaram de o ser. Olho para o céu, nesses silêncios, e vejo as lamparinas acesas por pavios e óleos lentamente consumidos em antanhos de que não há sequer memória. Só há luz.

Não dormi o suficiente e o café parece desprovido da costumeira qualidade de arrumador de neurónios. Duas ou três ideias continuam a acotovelar-se na sua ânsia de se traduzirem em qualquer coisa que faça sentido. Mas o estaleiro está desarrumado e as pilhas de palavras estorvam-se entre si e dói-me a cabeça, e doem-me os pés e as mãos para que me apeteça procurá-las, catá-las com cuidado. Acabo por tropeçar e fazê-las cair, sem querer, com mais ou menos estrondo. Fico de braços cruzados, encostada a uma parede, estupidamente à espera que todo aquele reboco seja abraço ou porta ou ponte, como se as palavras pudessem vir ter comigo animadas da sua própria vontade. E é quando me canso de esperar que me calo, que percebo a espera e que, finalmente, por esperança ou desespero, olho o céu - tecto de tenda imensa, constantemente entretecido de rastros de memória, ponto a ponto, desde todo o sempre, para todo o sempre.

Continuo a beberricar o meu café, empurrando o atordoamento com a força possível nesta hora estremunhada. E é ainda com as pálpebras a meia haste e uma vontade de sonho na cabeça que me arrumo e arroupo entre aromas e rastros de luz. Não há pressa. Não há pressa.

20070105

Zodíaco, Mucha

20070103

A metro...

Novo ano, vida nova, casas novas e até mudanças de casa (como é com o Ideias Soltas) e eu com expectativas de outras coisas novas, como, por exemplo, um serviço noticioso na RTP1 num formato e com um tratamento de conteúdos mais interessantes. Mas não. Está tudo na mesma, exactíssimamente na mesma, com directos e longas reportagens (nem que seja para confirmar que não há notícia) sobre temas que, na minha opinião, não o justificam, pelo menos naquilo que se espera de um 'noticiário'. Se calhar, era preciso haver outros programas noticiosos onde dar vazão a tanta reportagem e entrevista à prima do vizinho que vivia em frente do cunhado do avô do vogal da associação cultural que era suposto ter servido o tal porto ferreira que, afinal, ninguém tinha pedido... Será normal? Se calhar, é, porque isto anda assim há muitoooooooooooo tempo. E, se calhar, também, sou eu que estou cada vez com menos pachorra para levar com o auto-colante de espectadora estúpida e ignorante... Até loch!

20070102

Sem paredes

Começar assim, com o pé direito, que é como quem diz 'com o olhar certo' - se é que há olhares certos! - mas começar assim... sem muros a entrincheirar ideias, sem redes a boicotar a alma, sem 'mas' a atordoarem uma genuína vontade de estar-se bem, por dentro, por fora, a sós, com outros, sem paredes a fazerem de pálpebras... Até loch.

20070101

1 de Janeiro de 2007

(só constatar este início já é bom, quanto mais sentir a esperança boa de todos os inícios...)

Bom Ano! Bom Loch para todos os clãs! :)