20061214

Óleo de fígado de bacalhau

Acabei de ler os desabafos que ecoam hoje na cidade invisível. Desabafos sobre a conversa de surdos que têm sido as reuniões de encarregados de educação com a escola em que a bizantina tem participado e, obviamente, revi as situações e frustrações semelhantes vividas por mim. Continua a ser-me doloroso ver a forma como se abdica da possível alegria do acto educativo e se cobre a lacuna com uma paupérrima manta de simulacros, retalhos velhos, que não dão corda nem à deslocada nostalgia quanto mais à necessária criatividade. E essa inércia que se vai transmitindo a esses principes e princesas pequeninos vai moldando as suas naturezas e, malformando, regando as sementes da desresponsabilização que, mais tarde, se verá a permear a vida do indivíduo e do cidadão adulto, tornando-se no fio condutor da auto-indulgência e da auto-marginalização, pais e mães da medicocridade. Contou anteontem a mesma bizantina como tem levado as filhas a abrirem o olhar para os mestres da pintura através da janela divertida de puzzles em que se dá lugar a absurdos que arrancam gargalhadas enquanto garantem que o olhar fica desperto e atento. Lembrou-me como, há muitos anos, os meus filhos despertaram para a chamada música clássica pelo que se riam, por exemplo, com a história dos patinhos que em certa longa viagem de carro pus o Vivaldi a contar-lhes a propósito de As Quatro Estações. E é esta alegria bem-humorada na aprendizagem e no ensino que continua a não se ver nas escolas. A satisfação da curiosidade intelectual, própria do desenvolvimento das crianças e dos jovens, vai sendo atendida com soluções sitematizadamente dissuasoras como se a inata vontade de saber tivesse de ser punida. Agora, como já não se toma óleo de fígado de bacalhau, damos-lhes a nova TLEB - Terminologia Linguística para o Ensino Básicoe Secundário - justificando-o com argumentos que valham-nos todas as Santas Engrácias! (por alguma razão me lembrei desta que assiste ao Panteão, onde só de mortos se trata.) Andamos a matar criteriosamente o prazer de aprender com uma quantidade de professores que nunca tiveram o prazer de ensinar e com outros que, ainda que resistindo, o perderam à conta de programas e de um status quo nas escolas que acabam por negar o alcance dos objectivos para que foram concebidos. Claro que a aprendizagem implica trabalho e o desenvolvimento de qualidades como a concentração, a disciplina, o rigor e o discernimento. Mas não sendo uma actividade de lazer isso implicará que tem de ser exercida sem prazer, sem a satisfação compensadora da conquista intelectual que leva à insatisfação ainda mais compensadora de prosseguir as conquistas? Estaremos todos de facto sem trabalho desde que a Índia foi descoberta? Pior ainda, sem trabalho e de baixa, obrigados a tomar óleo de fígado de bacalhau? Até loch...

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

:)
mesmo com sabor a laranja, o óleo de fígado de bacalhau continuava a negar a verdadeira origem da vitamina D...

12/15/2006 12:33:00 da manhã  
Blogger T-Regina said...

Mas caríssima Bizantina, continuava e continua!!! lollll
Um abraço.

12/15/2006 07:28:00 da tarde  

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